Podcast D30

Descrevendo combates em jogos narrativos

s_2007Organizamos as nossas biografias destacando alguns acontecimentos que cremos estar mais carregados de significações e que pontuam a nossa história pessoal, nos vincula ao passado, dá continuidade ao presente e nos remete ao futuro. Quando narramos algo, estamos construindo nossa moral, nossos mitos pessoais e coletivos, estamos dando sentido à vida. (Trecho da introdução do livro Narratologia, de Luiz Gonzaga Motta).

Durante muito tempo relutei contra o uso de miniaturas em minhas narrações. Acreditava que quebrariam o clima de imaginação. Uma das coisas mais interessantes no RPG é um mestre descrever um cenário e cada jogador interpretar aquelas informações de formas diferentes, mesmo que tenham ouvido as mesmas palavras em tempo também igual.

Depois que passei a usar, timidamente com a chegada da terceira edição do D&D, compreendi que elas poderiam ser aliadas à narração para ajudar na interpretação de todo o grupo. Ao mesmo tempo percebi, vendo outras mesas, que muitos usavam as minis como meros marcadores de ataque e dano. Não havia a interpretação da batalha, era só o jogador dizer “acertei esse, 20 de dano” enquanto o mestre responde “ok. Ataco com aquele ali”.

Eu sempre fiz diferente, descrevendo um mínimo da batalha para estimular os jogadores. Me amarro em descrições e interpretações! Por isso, falo com diferentes sotaques e vozes (na medida em que meu gogó aguenta) para cada NPC. Por que não narraria lutas? Muito antes das miniaturas, o que eu fazia com os jogadores era explicar o que eles viam, ouviam, sentiam e como foi o golpe, erro e acerto. Pro jogo ficar mais real, sabe?

MAG003-228x228Como na sacanagem do Tiago Junges dizendo que “há muitas pessoas que gostam de jogar RPG usando papéis quadriculados para marcar as posições dos personagens. Um bom RPG não precisa deste recurso obsoleto da era dos Wargames...” no seu Advanced Malditos Goblins que saiu a pouco tempo – O meu acabou de chegar e assim que ler tudo resenho aqui.  Mas onde quero chegar com tudo isso? É legal interpretar as lutas e, inclusive, modificar a batalha, dependendo da atitude de um personagem!

Minha dica é que os mestres sejam mais descritivos. Uma narração detalhada cria sintonia entre o grupo, que fica impelido a responder no mesmo nível para reafirmar seu papel na história. No ótimo Street Fighter RPG, uma adaptação no sistema Storyteller lançada por aqui pela Dragão Brasil, a pancadaria rola solta ao estilo dos games. O jogo faz uso de cartas para trabalhar a questão dos golpes especiais e tudo é focado em atributos para luta. Mesmo num RPG como esse, é possível ler conselhos para o mestre ser descritivo. “Durante a história, você será os olhos e ouvidos dos personagens. Os jogadores dependerão de você para saber o que seus personagens veem, ouvem, cheiram, provam e tocam. O drama da história depende muito da sua capacidade de descrever bem todas as cenas” explicava a parte voltada ao narrador.

Street+Fighter+RPGOutro ótimo exemplo pode ser conferido nas páginas da quarta edição de D&D, que apesar das críticas por conta das miniaturas, apresentava ótimas referências para a narração das aventuras. De acordo com o livro do mestre, todo jogador tem direito sobre o destino de seu personagem e, portanto, de rolar os dados necessários para qualquer situação. Cabe ao mestre ver o resultado dos dados e interpretar o resultado como forma de consequência ao ato do personagem.

Isso faz o jogador imaginar os movimentos, pensar, refletir e o melhor de tudo: ficar 100% ligado na partida! “No sucesso em uma rolagem de ataque é mais interessante descrever a ação ao invés de simplesmente dizer ‘acertou, role o dano’. Tente algo como: Baredd desembainha sua espada cortando o ar em um poderoso arco que penetra nas escamas do dragão, que rosna com toda sua ira, enquanto se vira colocando os olhos sob o paladino”.  Viu a diferença?

Agora, o que pode ser mais complicado caso o mestre não esteja muito habituado a esse estilo de jogo, mas que recompensa completamente o esforço do improviso, é transformar a interpretação dos jogadores em fatores de alteração de um combate. Resumindo, a descrição feita por um jogador pode mudar consideravelmente o rumo da luta, sem precisar que se role dados.

Em uma campanha que estou mestrando, o grupo estava explorando uma imensa caverna e se deparou com um gigante. Foi fera demais ouvir como a descrição de cada um completava o raciocínio do parceiro. Foi algo próximo disso:

1053_10200659857767395_1749330901_n– A ladina Celina usa sua agilidade para dar a impressão de correr pelas paredes em movimentos rápidos, atordoando o gigante.

– Enquanto isso, Paulus se posiciona atrás do oponente e aplica uma antiga técnica dos anões para cortar o calcanhar de seres grandes assim.

– Quando o gigante se abaixa para observar os ferimentos, Megan aproveita o momento para forçar sua destreza, subindo pelo braço da criatura e pulando em suas costas onde engalfinha sua espada.

– Enquanto seus companheiros atacavam o gigante, Amrod recitava encantamentos antigos para desferir uma bola de fogo, tomando cuidado para não acertar onde seus amigos estavam.

Após ouvir todo esse brilhante ataque conjunto, tive que modificar não só a posição do gigante em relação às miniaturas, mas também, pensar bem no que ele faria em seguida. Não achei nada mais racional do que tentar livrar o gigante dos aventureiros com um ataque descordenado da forma de quem foge de agressões. Esse é um pequeno exemplo de como a descrição pode mudar batalhas. Espero ter colaborado e quero ouvir o feedback de quem já tentou coisa parecida.