Podcast D30

Cinco Magos Problemáticos

Para quem não sabe – ou nem se interesse – eu acompanho uma lista de discussão no facebook sobre D&D. D&D 5E – RPG Brasil. É um grupo bacana, cheio de gente que manja bastante do sistema. Se você joga D&D 5E vale a pena dar uma passada lá de vez em quando.

Recentemente um usuário chamado Rayol fez uma publicação envolvendo o grupo dele. Na publicação, o Facebook avisou que ele estava  se sentindo frustrado. E eu adiciono: com razão.

Segue o texto:

Gente estou com um problema, sou mestre e meu grupo de jogadores lvl7, são 5 magos humanos variante, com os talentos Elemental Adept (Fire) e Alert (+5 em Iniciativa). Basicamente todo combate, eles rolam inciativa e pelo menos 2 ou 3 (Se não os 5!) começam antes de minhas criaturas, assim que o combate começam eles TODOS conjuram bola de fogo no inimigo mais forte ou no grupo de inimigo mais forte, causando em média 24d6 (84 de dano médio), isso quando TODOS eles não vão antes das minhas criaturas, causando 40d6 (140 de dano médio em AREA, devo adicionar). Basicamente todos os lacaios mais fracos MORREM antes de fazer qualquer coisa e os monstros principais começam o combate com 1/3 ou menos de sua barra de vida. Eu já tentei colocar situações sociais como obstáculos para eles, porém TODOS pegaram a magia sugestão no lvl 3, eles usam todos sugestão até que o NPC falhe na CD para que eles possam burlar as situações sociais. Eu já tentei fazer o óbvio, colocar Diabos ou Demônios que tem resistência à magia e resistência ao fogo, porém, dentre os magos tem um mago advinhador que pegou a magia Banishment, ou seja, sempre que os Demônios/Diabos aparecem são recebidos com uma saraivada de bolas de fogo que ignoram sua resistência ao fogo (Por conta do talento Elemental Adept) e por mais que o Demônio/Diabo mais forte sobreviva a saraivada inicial, o mago adivinhador então conjura Banishment no sobrevivente mais forte, usando o seu feature de lvl 2, forçando-o a falhar e ser banido para o abismo/inferno. Então o grupo no segundo turno retorna as bolas de fogo para lidar com os demais sobreviventes.

Eu não sei como lidar com esse grupo, não sei como criar um desafio que não seja literalmente impossível.

PS: Eu já tentei colocar outros conjuradores com counterspell no campo de batalha, aqueles que se quer chegaram perto o suficiente para conjurar counterspell, tiveram seu counterspell refutado pelo próprio counterspell de meus jogadores e então sua vida extinguida por uma tempestade de fogo sem fim.

PPS: Estou com medo de no lvl 9 eles pegarem Wall of Force e Cloudkill e fazer uma câmera de gás nazista”.

Vou ser bem honesto. A primeira coisa que eu pensei quando me deparei com essa situação foi pensar, “deve ser muito chato jogar num grupo de cinco magos. Lembrou-me até Power Rangers Força Mística…” Depois, acompanhando a discussão, que já tem mais de 100 respostas me deparei com uma situação interessante. O problema do mestre não é a “falha mecânica” que seus jogadores souberam explorar para criar um grupo coeso de 5 magos ultrapoderosos. O problema dele também não reside em formas de dificultar os desafios para seus jogadores e nem maneiras criativas de dar um TPK (Total Party Kill). O problema dele reside em seus jogadores.

Quer dizer, se você já jogou D&D, em qualquer uma de suas encarnações, deve saber o quanto é divertido criar um personagem bem diferente do restante dos colegas de mesa. A força de um grupo reside na sua diversidade. E quando eu falo “força” não estou me referindo apenas a quantidade de DPT (Damage Per Turn – Dano Por Rodada) que os jogadores conseguem fazer. É interessante ver o clérigo comportadinho e casto andando com o bardo mulherengo; o paladino justo sendo obrigado pelas circunstâncias a aturar o “especialista em ações furtivas”; o mago e o druida discutindo a origem da magia e por aí vai. A diversidade é parte importante de D&D. Nenhum grupo vai muito longe quando todos possuem apenas uma classe de personagem (bem, esse grupo pode causar muito dano e ser muito zoeiro, mas ele não é “verossímil”).

Aliás, vale a pena perguntar: além de andarem juntos por aí como o Devastator (robô do seriado transformers G1, formando pela união dos Contructicons) o que mais eles fazem? Eles têm alguma coisa além do combo? Paixões, dilemas, responsabilidades, contradições, posições políticas, ideológicas, culturais… Ou são apenas cópias de si mesmos, com pequenas alterações, feitas para funcionar como uma máquina de fazer chover bola de fogo?

Em algum lugar da discussão Billy Dudley (outro usuário do fórum) disse mais ou menos assim: É RPG cara, não moba (Mobile On line Battle Arena).

E eu sou obrigado a concordar com ele! Falta aos jogadores um pouco de fair play. Tudo que eles querem, ao meu ver (posso estar enganado), é “quebrar o jogo” como um gamer que descobre um bug num jogo de videogame e passa a explorar essa falha para fazer um personagem super poderoso, ou para ganhar vantagens que normalmente não teria direito.

Beleza, vocês juntos conseguem fazer uma média de 140 pontos de dano por área numa rodada só com uma chuva de bola de fogo. Legal fera, radical, da hora… mas… e daí? O jogo de vocês se resume a isso? Jogar búzios com os dados, debulhando inimigos cada vez mais fortes, escalonando o combate como se fosse um episódio de Dragon Ball?

Imagine qualquer grande série de fantasia medieval que você conhece: da Companhia Negra até Final Fantasy, de Eberron a Forgotten Realms, de Senhor dos Anéis até as Brumas de Avalon, de Game of Thrones até Last Kingdom… como cada uma delas se comportaria se houvessem batalhões de “five-fireball-wizards-from-hell”?

Se fosse comigo eu perguntaria aos jogadores se é isso mesmo que eles querem jogar. Por que se for, eles que arrumassem outro mestre. Com certeza não é isso que eu quero jogar.

Valberto Filho, o Betão, é um respeitado professor de Brasília, habilidoso forjador de armas para swordplay e um mestre de RPG altamente competente! Não só é um amigo do D30, como inclusive foi ele quem batizou esse grupo com a famosa sacanagem do jogador de Brasília e o dado de trinta faces (Não sabe? Descubra!). É o dono do excelente blog Lote do Betão, que aborda diversos assuntos sobre nosso querido jogo.