Temas adultos em RPG

Texto do colega Júlio Baía, que nos mandou essa mensagem para ser repassada a vocês: “Pequeno artigo sobre temas adultos. Espero que gostem, concordando ou não”. Aproveitem para discutir!

Um exemplo de temas adultos em RPG

Existem alguns aspectos chaves que podem demonstrar se um tema ou história NÃO é “adulto”. Dois deles são os que mais ocorrem e que podem ser vistos em vários exemplos: Maniqueísmo e Deus ex Machina. Outro fator importante é saber se o cenário é uma parte integrante da história ou só um tabuleiro quadriculado onde ocorrem os combates. Vamos falar destes três.

Maniqueísmo
Maniqueísmo é originalmente uma doutrina filosófica que divide o mundo entre a matéria, intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom. Com o tempo esse termo se tornou um adjetivo para descrever algo como simplório por achar que o bem e o mal são indivisíveis.

Na história de O Senhor dos Anéis, o bem, representado pelas criaturas belas, hábeis e simpáticas, luta contra o mal, representado pelas criaturas grotescas, sádicas e traiçoeiras. Este é um recurso de narrativa utilizado para o leitor se identificar com o protagonista e antipatizar com o vilão.

É um recurso muito bom para criar uma tensão de ver o vilão derrotado criando o clímax da batalha final e da previsível vitória do herói. É religiosamente utilizado pelas novelas da Globo, o que torna as histórias enfadonhas por não haver surpresas nem reviravoltas na história.

Além disso, os personagens presos nesta temática são invariavelmente unidimensionais. O herói quer derrotar o vilão e o vilão quer espalhar o mal pelo mundo. Perguntas sobre o porquê de o vilão ser assim ou pra quê que ele causa tal maldade são simplesmente respondidas com o “porque ele é mal”. E como o herói é um reflexo do vilão, sem ele o herói não tem razão de existir.

O problema com essa temática é que nem todas as ações são 100% boas. Um grupo de heróis que mata os goblins que atacaram a vila. Eles são “bons” somente para o vilarejo. Os goblins não acham os heróis bonzinhos, pode ter certeza. Além disso, ações podem, E DEVEM, ter conseqüências. E se os goblins se vingarem do vilarejo e destruírem tudo depois que os heróis partirem? E se o vilarejo afugentou toda a caça que mantinham vivos aqueles pobres goblins injustiçados? Em resumo, não há ações intrinsecamente boas ou más. Então os temas adultos fogem desse conceito como o diabo foge da cruz (outro Maniqueísmo).

Deus ex Machina
Esse termo vem da do teatro grego. Significa deus vindo da máquina, quando um deus surge pra resolver um problema que os heróis não conseguiriam resolver sozinhos. Normalmente o ator que interpreta este deus aparece em cena voando ou flutuando, suspenso no ar por cordas e roldanas, ou seja, máquina, explicando essa expressão.

O fato é que numa história, se o herói não pode morrer, não há tensão. Não há suspense. Um dos personagens mais famosos das histórias dos Reinos Esquecidos, Drizzt do Urden, já esteve perto da morte mais vezes do que se pode contar. Mas ele sempre dá um jeito de escapar. Este escapismo da realidade automaticamente nos tira a emoção de temer pela vida do personagem. Como ele escapa é uma parte interessante da história, mas a dúvida, se ele vai escapar ou não, é inexistente. Mesmo quando um herói não escapa, ele sempre pode acabar sendo ressuscitado. Exemplo disso é a piada de que herói da Marvel ou da DC nunca fica morto. Sempre volta. Como lamentar a morte de um personagem se ele vai voltar daqui a duas ou três ou 30 edições.

O medo da morte, a dor da perda e um sentimento de vingança acabam sendo anestesiados quando você sabe que a causa dessas emoções são falsas. Se um deus descer na história e salvar seu personagem de RPG da morte certa, pode parecer um acontecimento marcante, mas se isso ocorrer várias vezes vai acabar com a emoção do combate. Esse personagem vai se jogar em cima do perigo, pois sabe que o Mestre vai usar um Deus Ex Machina para salvá-lo. Logo não há perigo. Por conseqüência, não há emoção.

O primeiro filme de D&D é um exemplo de aventura "infantil"

Cenário
No exemplo dos goblins que se vingam e destroem a vila pode muito bem acontecer e os heróis nunca ficarem sabendo. Mas isso é ainda melhor do que a vila deixar de existir no momento que os heróis partirem para outra aventura. O personagem deve saber se ele causa algum impacto no mundo, mas tem que saber também que o mundo não vai acabar se ele morrer.

Saber que o mundo não gira ao redor dos personagens é importante. Porque permite aos personagens, principalmente em RPG, o sentimento de pressa, angústia e necessidade. Por exemplo: “Temos que chegar logo a cidade antes de os elfos atacarem” (sem maniqueísmos, lembra?). Mas se os jogadores sentirem que o encontro aleatório colocado pra atrasá-los não vai surtir efeito porque o mestre não vai deixar os elfos chegarem primeiro, eles não vão pensar em evitar o combate e perder o famigerado XP.

Além da pressa, dá ao jogador o sentimento de responsabilidade. Se suas ações tem conseqüências, ele vai ter que pensar antes de sair matando e pilhando. Misture isso ao fato de que o mestre não vai salvá-lo (Deus ex…) se ele continuar fazendo merda, e temos um jogador que pensa antes de agir. Se ainda assim ele procura essa ação, ele deve ter um motivo forte, ou seja, talvez não seja mais um personagem unidimensional.

Então é isso que define se um tema é ou não adulto? Não necessariamente. Mas é mais importante para a trama do que cenas de sexo ou de violência explícitas. Pergunte-se se você joga RPG com essas premissas em mente? Talvez uma partida mais séria e adulta seja uma experiência interessante. Mas se você se diverte com aventuras “infantis”, em um jogo de fingir ser mago ou bárbaro ou vampiro, não estará fazendo nada errado.

 

Sobre autor convidado

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Comments

  1. Excelente artigo! Orientações para mestres e jogadores refletirem sobre o que realmente querem de seus jogos e dicas para tornar partidas mais interessantes ou mesmo elevar o maturidade de alguns grupos. Parabéns!

  2. Acho que realmente não é bem “adulto” o termo que deveria estar sendo discutido aqui, acho que é mais sobre complexidade da narrativa e essas coisas.

    Mas essa é uma opção. Geralmente é só pensar na diferença entre aventuras de hack & slash e dungeon crawl e outras de intriga e longa duração. Ou a diferença entre jogadores de D&D e Vampire nos anos 90.

    Me lembrou um artigo do Gary Gygax sobre esse “pêndulo” entre interpretação e rolagem de dados. Muito bom para esse tempo de hipsters narrativistas:

    “First, it is important to remember that “role-playing” is a modifier of the noun “game”. We are dealing with a game which is based on role playing, but it is first and foremost a game. Games are not plays, although role-playing games should have some of the theatre included in their play. To put undue stress upon mere role-playing places the cart before the horse. Role playing is a necessary part of the game, but it is by no means the whole of the matter”.

  3. Imaginem esse jogo aonde vem um Deus e salva todos de um vilão épico… Poxa! Se o narrador levou os jogadores a confrontar com um vilão épico sabendo que ninguém conseguiria derrotá-lo é por que, nesses termos, tinha que ocorrer o encontro com esse Deus, mas se começa a ser demasiado, você está jogando esse rpg apenas para subir de nível e desbravar os poderes de sua classe. Pois se tu cair vais se levantar depois.

    Concordo que fica realmente sem graça.

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