Depois de testarmos o D&D Next, fui ler resenhas e opiniões sobre o negócio, e me deparei com uma guerra de opiniões sobre Pontos de Vida. Esse é um assunto que eu gosto muito, e que já discuti com alguns amigos ao longo de vários jogos e campanhas, então resolvi dividir com vocês algumas opiniões.
Nunca fui muito satisfeito com a maneira como D&D, em qualquer edição, lidou com pontos de vida, mas também não achei uma boa forma de fazer isso em nenhum outro sistema. Isso porque eu insisto num jogo realista de Fantasia, com magia e heróis, mas com perigos reais, e não apenas hack and slash.
Vou dividir por partes, você pode ir pulando, mas dê sua opinião ao final!
Há duas maneiras de lidar com pontos de vida.
Ou você coloca muitos pontos no personagem, representando uma reserva vital enorme. Esse é o estilo de D&D, que se reproduz na licença D20, de True20 e Star Wars, e se espalha por sistemas, como Rolemaster e Rifts (ah! o MegaDano).
Ou coloca poucos, mas cria dificuldades para que ele seja acertado, ou alguma facilidade para que ele se cure imediatamente. Esse sistema é usado por Gurps, RuneQuest, Vampire, Shadowrun, entre outros RPGs. (nem vamos falar das diferenças entre os sistemas de Health Points e Vitality Points)
Mas a ideia por trás dos dois sistemas básicos é a mesma. Muitas pessoas não veem dessa forma, o que torna as críticas entre os sistemas difícil, porque as pessoas criticam duas implementações da mesma ideia.
A intenção de ambas é “simular a realidade”, fazer-de-conta que estamos numa luta de espadas, às vezes com magia. Essa simulação, claro, é mais próxima do cinema, livros e histórias em quadrinho que da realidade mesmo. Mas o importante é que elas têm como finalidade uma simulação.
Muitas pessoas então acham que numa o personagem é acertado muitas vezes até que cai, e na outra ele evita ser acertado até que uma hora acontece, e ele caí. Nessa visão, um fighter em D&D vai levar 90 pontos de dano, até que morra, o mesmo fighter em Gurps vai segurar espadas com esquiva, armadura, recuperações, e conseguirá segurar até dois acertos reais, antes de cair.
Mas não é bem assim… há muito se discute os pontos de vida em D&D como uma forma de cansaço. Na verdade, Pontos de Vida é uma tradução errada, eles se chamam Hit Points em inglês (mais ou menos pontos de acerto), e não significam que esse fighter de 90 HP tenha levado 10 espadadas!
Todos sabem que uma única espadada é suficiente para matar uma pessoa. (Para quem não conhece a história dos Hit Ponits e desse ponto de vista, vale dar uma lida nessa entrevista do Dave Arneson, em que ele explica isso e como um jogo de batalha naval inspirou o sistema de HPs. Ou seja, personagens de D&D são como navios enormes! como lembrou o Hackbarth no último Conversa sobre RPG)
Com a 4ª Edição ficou mais claro que os personagens “retomam o fôlego”, mas essa ideia já fazia parte do sistema. Outra alternativa é o sistema de Wounds (ferimentos) que está no Unearthed Arcana e no sistema de Star Wars, mas isso complica as coisas aqui nessa nossa conversa.
O guerreiro vai ao cinema
Sempre explico essa questão com o filme Duro de Matar. O John McClane pode levar tiros, ser espancado, pisar em cacos de vidro, cair de cima de avião a jato. Mas é só descansar um pouco que está pronto para o próximo combate. É assim no D&D, e é assim no Gurps, porque ele não é realmente “acertado”, até que seja a hora.
Como num filme de capa-espada, Errol Flynn troca golpes com outro espadachim, ou vários, destruindo o cenário, até que um dos dois comece a fraquejar. Quando um personagem começa a fraquejar, aí sim ele é acertado.
Você pode entender os HPs de várias maneiras: contusões, cansaço, machucados, músculos estirados, dor, esgotamento… mas além disso pode ser simplesmente a habilidade do personagem em se esquivar ou resistir a essas condições, forças mágicas, ou simplesmente sorte, e até mesmo a intervenção de poderes sobrenaturais. Leiam um pouco sobre isso na coluna do Mike Mearls, “Hit Points, Our Old Friend”.
Um jogo precisa ser equilibrado
Para equilibrar as coisas, monstros e NPCs são pensados como contrapartida a isso, por isso monstros de D&D têm centenas de HPs, e monstros de Gurps todos têm exoesqueletos, ambidestria e HT estranhamente alto. E isso geralmente leva ao maior problema em jogos de fantasia… a síndrome do combate arrastado.
De fato, ter muitos HPs faz com que personagens de D&D não tenham medo de nada. Ter poucos faz com que personagens de Gurps ou Call of Cthulhu morram o tempo todo. Equilibrar isso é difícil, você bem sabe. Principalmente se você gosta de coisas mais próximas ao terror e histórias como as de Conan, que eu adoro.
É preciso fazer alguma coisa para que os personagens tenham medo de morrer, sem que fique fácil demais matá-los. D&D tentou fazer com níveis ideais para o jogo. Acho que até a 2ª Edição era o 5º nível, na 3ª era o 7º, e na 4ª Edição essa premissa fez os jogos possíveis em três patamares, 7-14-25. (acho que cada um vai ter uma opinião sobre qual o nível exato, mas não acham que existe isso mesmo?)
A 4ª Edição disfarçou um conceito que a 5ª parece querer colocar às claras. Níveis e skills não convivem bem. Comprar skills todo nível torna o jogo viciado e pouco prático. Por isso, na 4ª edição não importa muito o quanto sua skill subisse, a dificuldade subiria atrás dela.
Mas o que isso tem a ver com HP? Os níveis perfeitos para jogar são os níveis em que você tem poder suficiente para ser bravo, sem deixar de temer pela vida do seu personagem. Os monstros e armadilhas são realmente um desafio, mas a diferença entre as classes não é tão acentuada. Um mago de 1º nível não faz nada, mas ele no 10º nível já resolve quase tudo sozinho nas edições de 1 a 3. O que nos leva à próxima questão…
Mas ter poucos HPs é Old School?
Sempre vai haver Puristas de qualquer coisa nerd. A série original era melhor que a Next Generation, os filmes com o Han Solo eram mais legais que os do Jarjar Binks, e Prometeus não tem o mesmo feeling de Alien.
Em D&D isso é ainda mais verdade. Mas acho que o pessoal old school às vezes exagera no apego às regras velhas. Não era divertido fazer personagens de 1º nível, nem me lembro da última vez que fizemos um. Os primeiros níveis de D&D são um erro mesmo, o sistema foi feito para você começar mais pra frente, uma vez que tenha aprendido tudo.
Isso sem falar no five minute work day, a sensação de que seu personagem só pode lutar 5 minutos por dia, e precisa descansar, seja por falta de HPs, seja porque já gastou todas as magias “decoradas”.
Mas numa coisa esse pessoal tem razão: até a 2ª edição, os HPs paravam de subir no 10º nível, a partir dali subia muito pouco e sem a intromissão do bônus de Constituição. Ou seja, havia um limite, e acho que esse limite era necessário. Personagens de 3ª Edição eram chatos depois do 11º nível, porque eles disparavam não apenas em múltiplos ataques, mas em HPs também.
Enfim, por enquanto acho que a combinação da 5a Edição bem promissora: HPs básicos altos, com rolagem sem Constituição nos níveis, e cura por Hit Dice entre os combates, tudo usando o bônus de Con como mínimo para as rolagens. Muito HP no início, uma subida não tão brusca, e cura entre os encontros, o melhor dos 3 sistemas de regras de D&D, na minha opinião.
Olhem também essa excelente discussão sobre “Dano Quando Erra“, uma regra interessante para histórias que é difícil para quem gosta de simulações.
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Comments
Muito bom o texto Marcelo!!
É um assunto mto delicado mesmo, pq é um ponto fundamental para a “tônica” do jogo.
Mike já admitiu que ainda não estão seguros em relação a melhor alternativa para o Next.
O ideal talvez seria ter mais de uma abordagem. Mas isso seria bem difícil, pq mexe com todo o equilíbrio do sistema.
ML, um bom texto que sucinta mais discussão.
Parabéns.
Fala Franciolli! Como ficou aquele projeto Campanhas inacabadas de Forgotten? Abraço!
A maioria dos sistemas atualmente que visam mais a narrativa introduzem um conceito de recuperação todas de “ferimentos leves” entre cenas. Somente feridas graves requerem uma estadia no “hospital” e ainda assim é muito curta. O jogador não quer seu personagem parado enquanto o resto do pessoal se diverte só pq ele não teve tanta sorte nos dados e o mestre teve na hora de lhe causar dano.
Mas já que estamos falando especificamente de D&D: Eu sou super a favor desse método novo do D&D Next, até pq eu fiquei muito de pé atrás com os “healing surges” do D&D 4th Edition. Aquilo pra mim é tanque de energia do Megaman, é mais fácil dar o valor da cura como pontos de vida extra pro personagem do que permitir esses absurdos sem sentido dentro da história.
Eu sei que muitos vão considerar adrenalina ou qualquer outra desculpa. Mas vamos considerar? Isso é o tipo de coisa muito possível em personagens voltados a combate, agora se eu estou jogando com um personagem que por conceito é um magrelo que raramente se vê em conflito direto (mago ou sacerdote) pq diabos ele teria chance de recuperar pontos de vida do nada numa luta se não fosse com magia?
Marcos, é possível pensar em razões práticas, um magrelo também tem medo da morte, e medo faz a pessoa recuperar o fôlego! 🙂
agora, de verdade, acho que o principal é desafogar os clérigos. esse papel imobiliza os personagens, e o sacerdote que podia fazer mil outras coisas fica dedicado a isso.
Muito bom o post. A discussão sobre HP é tão antiga quanto o RPG. Achei ótima a metodologia do D&D next, com o melhor dos dois mundos. E essa foi a tônica pra muita coisa. Skills, magias tá tudo, aparentemente, muito legal.
A realidade não é realista, porque meu jogo tem de ser ? Para mim cada um tem seu espaço e todos se divirtam.
Herbert, acho que realista é o que os sistemas tentam ser… pra mim a realidade que precisa é o pessoal ter medo da morte ao enfrentar qualquer desafio, só isso.
Essa é realmente uma discussão antiga, que leva a pensar em alguns aspectos do que define um personagem ser heróico, em RPG. Seria ele ter menos HP e assim estar se arriscando mais a cair em combate, ou um herói é quem aguenta mais adversidades, e é “difícil de matar”?
A mecânica reflete isso, e não devemos considerar apenas os HP iniciais, mas também a progressão desses HP ao longo do crescimento do personagem. O D&D original, e muitas edições subsequentes herdaram isso, traz um abismo entre personagens de 1° nível e os de níveis mesmo um pouco mais altos. Já o Earthdawn, por exemplo, tinha mais HPs iniciais, mas para ganhar mais HP em círculos maiores, o sistema era bastante lento, e você acabava abdicando de adquirir novas habilidades.
Pessoalmente, acredito que o abismo de níveis do D&D pré-Next é um tanto complicado. Por outro lado, prefiro personagens mais no estilo “Senhor dos Anéis”, pessoas comuns que se tornam heróis por circunstância ou necessidade, e por isso tendo a gostar de personagens com um número mais limitado de HP. Mas isso depende mesmo do papel dos personagens jogadores na aventura.
Em um jogo de terror, em que o sobrenatural deve assustar o jogador e ele deve temer pela vida do personagem, não faz sentido ele ter muitos HP, ou um monstro ou entidade ser relativamente fácil de ser derrotado. Afinal, a quantidade de pontos também afeta a letalidade de um personagem. O que é um golpe de 1d8 de dano para um personagem que tem 10 pontos de vida, ou para outro que tem 35? E ter magias (em quantidades finitas ou infinitas) que causam 1d4 de dano? O quanto um ou outro têm de capacidade de enfrentar criaturas, perigos ou desafios?
Outro fator a considerar: personagens de níveis altos se tornam super-humanos? No AD&D a progressão atingia um máximo por volta do nono ou décimo nível, e a partir daí os personagens ganhavam bem menos HP por nível. Além disso, eram poucos os personagens que ganhavam bônus significativo de HP por nível (pela CON). A partir da 3e esse topo não existia mais, e os bônus eram mais comuns. Por outro lado, as magias causam mais dano, e os vilões têm mais ataques.
Quanto à recuperação dos HP, mais uma vez isso depende dos jogadores, e do estilo do jogo. Isso depende do quanto de magia o ambiente de jogo tem, e do quanto uma pessoa está disposta a jogar um personagem que vai curar os outros ou vai usar outras habilidades. Curar o grupo pode ser interessante, mesmo para o clérigo (ou paladino, ou bardo) de um grupo de D&D, já que a recuperação dos outros vai afetar o tempo para a realização de uma missão. Mas se alguém não gosta de ser o personagem que cuida dos outros, pode jogar um clérigo que não faz isso, ou escolher outro tipo de personagem. Clérigos, druidas e afins são personagens muito ricos.
Alternativas são os sistemas em que a recuperação é mais rápida e independente dos sacerdotes. Ese é um aspecto que torna o D&D 4e e o Next diferentes (não acredito melhores nem piores, mas diferentes) das edições anteriores do D&D. Me lembro de algo semelhante nas poucas aventuras publicadas de AD&D Conan (e Red Sonja), onde a ambientação era muito pouco mágica e, para contrabalançar a demora na recuperação dos personagens após as batalhas, a reposição de HP por noite de descanso era bem mais significativa.
Por fim, devemos lembrar que regras são aproximações, e que na mesa deve reinar o bom senso. Em quase todos os RPGs existem observações sobre “massive damage”, “inescapable death”, e por aí vai. Não importa seu nível de HP, se o seu personagem caiu de um abismo ou estava em um buraco e foi soterrado por toneladas de rocha, sem espaço para escapatória, ele está morto. E por mais que aquela porta de madeira maciça reforçada em metal tenha HP, não importa o crítico que eu dê, não vou conseguir derrubá-la com uma colher de pau…
Minha dica final: antes de entrar no jogo, saiba qual a interpretação do mestre, ou esteja aberto ao ritmo e estilo que ele preferir para sua aventura. E divirta-se, o jogo é pra isso! 🙂
É por aí mesmo. Eu acho que ter menos HPs, mas recuperar eles entre lutas, é uma fórmula genial, e o D&D pode se equilibrar mais com isso…
O resto a gente acerta mesmo no gosto.
Eu nunca fui à favor de nenhum dos sistemas de dano de d&d. As pessoas não ficam mais resistentes com o passar do tempo, sem nenhum treinamento, elas só ficam mais experientes. Faz muito mais sentido os personagens mais experientes sofrerem menos dano porque suas habilidades de defesa melhoraram e ele é capaz de EVITAR mais dano. Mesmo assim, se for pego desprevenido com uma machadada na cabeça, sem chance de defesa, ele tá morto. Chega o cúmulo que um golpe de misericórdia de personagens de baixo nível NÃO MATAM personagens de níveis mais altos. Isso simplesmente não faz nenhum sentido.
A explicação do cansaço da batalha também não resolve o problema, soa mais como uma desculpa inventada depois pra sanar um problema antigo. Fadiga não é dano, não é a mesma coisa. Sim, lutar por muito tempo cansa e fica mais difícil lutar a cada minuto que passa. Mas isso não é a mesma coisa que vc não conseguir colocar o pé no chão porque sua perna tá machucada.
Eu particularmente odeio cura rápida de qualquer tipo. Deixa o jogo fácil demais e requer menos habilidade dos jogadores. Contra III era um tiro e xablau, adeus. Em Mario, é duas, no máximo 3, gg. Esses jogos desenvolvem a habilidade dos jogadores. Jogos que tem cura o tempo todo muito rápido e fácil deixam o jogo ou muito fácil ou muito irreal (que ser humano seria capaz de matar centenas de inimigos numa única vida em um curto período de tempo? Isso é muito improvável). Eu acho que a solução mais simples é passar o tempo e dar cura por descanso ao longo do tempo. Porque torna o jogo mais real, mais mortal, menos frenético e não cria o bug de upar 10 level em 1 semana.
Eu até tinha uma regra caseira na qual os personagens começavam basicamente no 2o nível, mas poderiam jogar 1d6. Se caísse 1, começavam no primeiro nível (paciência), se caísse 6, começavam no terceiro nível.
Uma opção é o dano ser mais narrativo que vital, com o fim dos Pontos de Acerto indicando que o personagem foi “derrotado” em vez de estar “moribundo”.
Mano eu só queria um programa, ou app que contasse o dano do monstro e do meu personagem sabe? tipo se eu levo 4 de dano, eu vou lá no app e tiro 4 de dano do meu personagem entende?
ola eu sou um viajante do tempo, meu conselho é que continuem no passado…